Desde 2003, o dia 20 de novembro foi incluído no calendário do Brasil como o Dia Nacional da Consciência Negra. Mas só em 2011 foi instituído oficialmente pela Lei Federal 12.519. A data, que faz referência à morte do líder Zumbi dos Palmares, nos remete à luta dos negros por igualdade social no país.
Um debate que remonta à época da escravidão, mas que permanece atual em virtude da realidade enfrentada pelos negros, pois constituem o segmento da população mais atingido pelas desigualdades sociais e econômicas, incluindo a violência policial.
Por isso, debater sobre o racismo deve fazer parte da vida de todos, incluindo das empresas que ganham um papel de destaque nesse processo.

Maioria X desigualdade

Falar do racismo no Brasil significa fazer referência à maior parte da população do Brasil. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 55,8% da população do País é negra, considerando a soma entre quem se declara preto (9,3%) e pardo (46,5%).
Essa representatividade, entretanto, não diminui a desigualdade que impera. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) do IBGE, de 2017, mostrou a grande desigualdade na renda do trabalhador negro em relação ao branco. O salário médio de pretos era de R$ 1.570,00; de pardos, R$ 1.606,00; e de brancos R$ 2.814,00. Já a taxa de desocupação era de 15% de pretos; 14,4% de pardos; e 9,9% de brancos.
As dificuldades também se apresentam quando o assunto é educação. Os dados apontam que entre 2016 e 2018, a taxa de analfabetismo da população negra de 15 anos ou mais de idade passou de 9,8% para 9,1%, enquanto que a proporção de pessoas de 25 anos ou mais de idade com pelo menos o ensino médio completo se ampliou de 37,3% para 40,3%.
Esses indicadores, porém, permaneceram aquém dos observados na população branca, cuja taxa de analfabetismo era 3,9%, e a proporção de pessoas com pelo menos o ensino médio completo era 55,8%, considerando os mesmos grupos etários mencionados em 2018.

Racismo estrutural

Quando em maio deste ano a morte do negro George Floyd, sufocado por um policial nos Estados Unidos, ganhou repercussão global, um maior número de pessoas e empresas passou a adotar a causa antirracista condenando a discriminação.
A onda de protestos vem sendo sustentada pela hashtag #BlackLivesMatter (vidas negras importam), organização que nasceu em 2013 por três ativistas norte-americanas e que se transformou em um movimento mundial pelos direitos da população negra.
Apesar do impacto positivo, a união entre brancos e negros, ainda não alterou a realidade que a população negra enfrenta diariamente e há muita estrada pela frente para ampliar a presença da comunidade negra em várias esferas da sociedade.
Para se ter ideia, segundo o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, que ajuda as empresas a gerir os negócios de forma socialmente responsável, os negros passam, por exemplo, por séria desigualdade na participação nas empresas, sobretudo quando se fala em cargos de confiança.
Na raiz dessa problemática está o racismo estrutural, conceito que define as sociedades que foram constituídas com base na discriminação de uma parcela da população em detrimento de outras. Segundo a Professora Adiles da Silva Lima, professora licenciada em Letras e Literaturas e Especialista em Culturas Africanas e Afro-brasileira, trata-se do método que legitimou e naturalizou o racismo, por meio da institucionalização de medidas extremamente autoritárias e excludentes, que levaram mulheres e homens negros a viver, no período após a escravidão, à margem da sociedade brasileira. “O racismo estrutural vem embasando a estrutura social brasileira nos mais variados campos da atividade humana, como nos contextos de política, educação, economia, cultura, religiosidade, trabalho etc.”, explica Adiles.
Como consequência, segundo ela, surge o racismo institucional, vinculado às instituições públicas ou privadas, que classificam as pessoas pelas diferenças fenotípicas e seus pertencimentos culturais. De acordo com Adiles, historicamente, o racismo institucional no Brasil tem provocado grande desigualdade na distribuição de emprego e, por conseguinte, na distribuição de renda.
Para a advogada Fernanda Rosália Neves Gonçalves Cabral o racismo estrutural e institucional serve como verdadeiro “ponto de corte” de qualquer aspiração de uma inclusão digna do negro na sociedade. “Nós somos privados da chance de concorrer igualmente às melhores vagas de emprego, quando nossos currículos são previamente descartados ao perceber que o candidato é preto, por exemplo, ou quando se exige inglês avançado ou carro próprio para deslocamento, condições que muitas vezes não temos condições estruturais e financeiras de cumprir”, afirma.

Política de cotas

Com especialização em Processo Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e integrante do WLM – Woman in Law Mentoring, Fernanda defende as políticas públicas de inclusão como a de cotas nas universidades como caminho para a inclusão do negro no mundo da educação e, consequentemente, no mercado de trabalho.
Ela conta que até o surgimento da política de cotas, que se tornou conhecida no Brasil em meados dos anos 2000, ou mesmo de outros programas de inclusão e acesso ao ensino superior, apenas ela conseguiu, dentre os membros da família, ter acesso a uma faculdade.
No universo corporativo, Fernanda ainda percebe a pouca participação de advogados negros em cargos jurídicos relevantes. “Em sua grande maioria, são os advogados brancos que possuem os contatos de pessoas importantes, que possuem familiares juristas, são herdeiros dos grandes escritórios, possuem um networking que permitem o acesso às melhores vagas. Já nós, não possuímos essa gama de relacionamentos, pois geralmente somos os primeiros em nossas famílias a iniciar uma carreira jurídica, consequentemente, somos minorias nos escritórios de advocacia e atuamos basicamente como advogados empregados”. 

Como contribuir para mudar?

Fernanda e Adiles compartilham da mesma opinião quando se referem ao maior empecilho para que a população negra conquiste realizações socioeconômicas sólidas, progressivas e permanentes. De acordo com elas, a educação, no caso, a falta de acesso a ela, tem se constituído no maior obstáculo.
Para mudar esse cenário, segundo Fernanda, a estratégia está na obtenção de investimento no ensino de base, principalmente nas escolas que atendem majoritariamente as crianças negras de periferia. “Isso poderia ter impacto na ínfima taxa de ingresso da população preta ou parda no ensino superior”, declara, lembrando que ainda há jovens que conseguem o acesso ao ensino médio, mas abandonam os estudos em virtude da necessidade de trabalhar.
Opinião compartilhada por Adiles para quem o racismo tem de ser eliminado começando pela escola, pois uma educação de qualidade resolve parte do preconceito individual, aquele que é da própria pessoa ou vem de crenças e de criações familiares. Mas também cabe à sociedade abraçar a causa do antirracismo e promover ações que gerem debates e conhecimentos.  “A eliminação do racismo institucional caminha nessa direção, ou seja, na compreensão de que somos multiculturais e pluriétnicos e que o diálogo com as diferenças é algo que nos torna ricos culturalmente”, conclui a professora. Para promover o debate realizamos encontros mensais sobre temas relacionados à diversidade e inclusão. O objetivo é contribuir para o crescimento profissional e pessoal dos nossos colaboradores sobre diferentes temáticas, como a racial, e que fazem parte do nosso Programa de Diversidade e Inclusão.

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